sábado, maio 14, 2005

O aspecto mulher-de-malandro

A vida é mesmo irônica.
Estava no ônibus a caminho da faculdade quando, ao meu lado, pobre homem, não agüentou e puxou assunto. Revelou-me ser serralheiro ter mais de 40 anos e que a tinha sido deixado pela mulher com quem vivia havia um ano e três meses. Esta o havia deixado e, de quebra, tinha levado a filha e os móveis todos para a casa da mãe. Ele, aparentemente bom homem, estava recomprando tudo e disse-me que terá o maior prazer em dar a pensão à filha caso o exame de DNA comprovasse mesmo a paternidade.
O homem garantiu que nunca havia encostado a mão na mulher, que ela havia ido embora após uma simples discussão e ela disse que só volta com ele se eles forem morar na casa da mãe dela. Conforme a conversa fluía, ele acabou me revelando que havia sido casado antes durante vinte e três anos e que tinha uma filha que fora abandonada pelo marido com 3 filhos para criar. Disse também que o seu casamento anterior, o que durou vinte e três anos, acabara devido ao ciúme que a esposa sentia dele e não devido às pancadas que ele, vez ou outra, dava nela. Ela mesma dizia, segundo ele, que era normal que o casal brigasse, mas que era para ele não sair de casa. Esta mulher, a que apanhava, vai procurá-lo até hoje no serviço para ver se não voltam. Segundo ele, não.
Óbvio que o homem não estava se agüentando e precisava falar. Quem seria eu para impedir? Tinha mais é que escutá-lo, como Olívia a Eugênio, ela sempre pronta a entender toda a feiúra dos atos dele, feiúra de atos humanos, própria dos humanos.
Primeiro pensei na ironia da vida. Será mesmo que estamos fadados a manter na cabeça apenas os que nos fazem mal e deixarmos em segundo plano quem parece ter quase que uma veneração cega por nós? Inútil divagar sobre isso, é uma daquelas perguntas sem resposta.
A divagação mais produtiva para mim foi sobre a minha tendência de ser quem apanha. Eu entendo as mulheres-de-malandro. Talvez elas não sejam simplesmente omissas em relação a si mesmas, talvez, em alguns casos, simplesmente consigam ver o caráter de fraqueza humana que existe por debaixo da chuva de pancadas. Talvez sejam mais resistentes às manifestações do lado ruim de cada ser ou apenas acabem relevando porque gostam do que as espanca. Quem pode dizer que não? Quem de nós não é, ao menos um pouco, mulher-de-malandro? Eu, pelo menos, assumo meu quinhão que apanha. Apanha, suporta e, com o tempo, idiota, perdoa. Tenho tanta raiva de perdoar e esquecer o que eu passei quanto tenho dessas mulheres horrivelmente fortes. Não quero ser fiel feito um cachorro que lambe as mãos do dono após um chute.
Dizem que o perdão é coisa de gente grande. Se é assim, porque me sinto tão idiota por esquecer, relevar, perdoar. Parece mais falta de amor próprio do que grandeza de espírito. É, talvez seja (seja o quê?). Odeio questionar isto, é secar gelo. Talvez o meu incômodo quanto à indecisão sobre o perdão resida no meu questionamento profundo em relação aos principais valores católicos. Em algum momento na vida, os homens acabam questionando uma parte do que lhes foi incutido na cabeça desde a infância. Gosto de pensar que isto em si já demonstra alguma grandeza. Grandeza que os que não se questionam e não se analisam não têm, gosto de crer.
O perdão apareceu hoje de tarde também, quando eu, zapeando, assisti a uma cena de A Usurpadora. O Carlos Daniel perdoou a Paola (que estava em seu leito de morte) mesmo depois de todas as maldades que ela fez (sabe Deus quais foram...). Queria ter conseguido ver mais do que frouxidão no Carlos Daniel. Queria ter visto nele a grandeza que eu gostaria de achar em mim por perdoar. Queria não ter tido a impressão de que a Paola iria levantar-se da cama e rir dele por achá-lo frouxo.

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Já falei que, apesar de gostar do nome dele, não vou com a cara do Bento XVI?

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Espero que tenham gostado do upgrade do blog. Ficou um pouco menos morto. A única pena é eu ter perdido os comments, mas paciência. Com o tempo eu hei de conseguir mais... ou não.