terça-feira, junho 07, 2005

O mundo real x o mundo real

A perspectiva de análise que cria o objeto de análise. Isto é, tudo depende do prisma pelo que se olha.
"Seja bem-vindo ao mundo real", eu escutei ontem.
Falávamos do fato de os professores não se importarem se seus alunos trabalham ou não e do fato de simplesmente se importarem com os resultados, independente das dificuldades ou impossibilidades que eventualmente venham pelo caminho.
Há mais coisas às quais podemos aplicar esse senso de realidade. Se você é ateu/cético/agnóstico (sim, porque agnóstico NÃO é aquele que não tem religião, mas aquele que só crê em explicações racionais para tudo), dificilmente crerá no conceito de justiça. É uma conseqüência quase que imediata. Pessoas crentes esperariam de Deus recompensas por passarem dificuldades. Como se Deus fosse um cartão cósmico de milhagens. Sofra muito e agüente, o reino dos céus demanda sacrifícios.
Já os que não têm a menor ambição de atingir os céus, posto que não creem na sua existência, não encontram sentido nesse raciocínio. Se sofrem é porque o mundo é injusto e, pior, crêem que será sempre injusto. Mais que isso: acham que se pode pouco para mudá-lo e não há de quem esperar nada que compense os martírios que surgem vida afora.
Acredito ser esta uma das razões que torna muito difícil ser cético. Não há a quem recorrer, para quem chorar. Você não pode, por se sentir incompetente para decidir ou sair de uma situação, entregar o seu destino nas mãos de um ente supremo. No ceticismo não há ente superior algum. Realidade crua e difícl, devo admitir.
Assim, embebido pelo agnosticismo, as pessoas passam a pertencer cada vez mais ao que eu chamei de mundo real logo acima. Minha inquietação a respeito dessas idéias (com que eu lido já há um tempo) sempre foi a respeito de as pessoas estarem de fato preparadas para entender o impacto da negação de Deus. Será que nós, que às vezes mentimos para nós mesmos, podemos mesmo abdicar da religiosidade? Será que nós, que não suportamos ouvir toda a verdade, somos capazes?
Pessoalmente, considero mais fácil acreditar em Deus que ser ateu, o que não quer dizer que eu ache uma posição superior à outra. Simplesmente estou divagando, imprimindo algumas inquietações que me acompanham há tempos e que vêm a tona às vezes através do pessimismo, da falta de perspectiva e do mero enfado que algumas pessoas mostram em relação a suas vida.
Considero que admitir que uma pessoa que fez algum mal (que é o mal?) não será punida no futuro é uma posição que só pode ser tomada por alguém de extrema valentia. A valentia às vezes custa caro demais. Eu apontaria angústia e sensação de solidão (daquelas que se sente no meio de muita gente) como conseqüências.
Nunca é demais repetir que são apenas divagações minhas. Ninguém tem que concordar com nada. É apenas como eu me senti (e sinto) em determinados momentos da minha vida. Confesso que às vezes eu me sinto assim, sobretudo quando me vejo como peça dessa engrenagem gigante, escravinho, cativo de um sistema que não é muito eficiente ao valorizar algumas pequenas qualidades que fazem a diferença. É fácil corromper-se no sistema, mas gosto de acreditar que só é fácil para os que tem alguma vocação para tanto. Os outros têm toda a minha admiração e respeito. É tempo de eu começar a selecionar melhor as pessoas com que eu realmente me importo.

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Para quebrar um pouco o peso, uma música/poesia que mostra o lirismo que pode nascer de qualquer pequena fissura na rotina automatizante. Alguma coisa temos que aprender com os Modernistas. Que tal aprender que há poesia em cada pequena coisinha do quotidiano?
Cabe a recomendação: essa música é sublime na voz de Mônica Salmaso.


Valsinha

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra dançar
E então ela se fez bonita com há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois o dois deram-se os braços com há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E alí dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.

(Chico Buarque/Vinícius de Morais)

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O post ficou meio bobinho, eu sei. Tão bobinho quanto tudo o que eu tenho produzido ultimamente. Parece tudo brincadeira de criança e talvez até seja. Odeio frustrar as expectativas que construo a respeito de mim mesmo. Maldito perfeccionismo. Não tenho conseguido alimentá-lo e isso definitivamente incomoda muito, fere orgulho, frustra e faz empacar. Acho que as férias (que chegam no prazo de um mês) me farão muito bem.