quarta-feira, dezembro 06, 2006

Sobre apego e desespero

Não seja estúpido. Não confie em mim, pois não serei capaz de modificar coisa alguma. Não serei eu o que revolucionará qualquer coisa ou inventará uma sociedade alternativa.
Não confie em si também e nem na humanidade.
Não seja estúpido.
Seus credores o acompanham e você, cada vez mais arrochado, não se dará conta de que cada vez trabalha mais e que está cada vez mais espremido entre as engrenagens que fazem a sociedade andar. É difícil sair da casa de sua mãe e falta o dinheiro e a perspectiva de crescer em uma país que sofre de severa gastroenterocolite social. Produz-se cada vez mais comida e, assim, é natural que ela barateie. Ainda há a inanição, entretanto. Laptops cada vez mais baratos e MP4: trabalho e lazer cada vez mais portáteis, para que se possa aproveitar os congestionamentos de 4h que caracterizam dias de chuva dentro dos coletivos da cidade. Isso mesmo: tiram-nos cada vez mais sangue.
E temos sonhos aos quais nos agarramos em total desespero frente ao presente, em face dos últimos acontecimentos.
Para isso, vende-se até mesmo o Peugeot.
Tanto esforço, tanta luta.
Cavar com as mãos o solo argiloso do mangue é contraproducente, pois a lama volta a se depositar, não interessa quantas vezes se sulque a terra.
Contraproducente e desesperado.
Sonhos são capazes de turvar a realidade e de criar necessidades de busca incessante por algo que não é sequer tátil, lógico ou lucrativo.
Por um raio de esperança, atira-se uma vida ao lixo e desdenha-se o presente que é sofrido mas está em progressão.
Nada mais triste do que a esperaça falsa da busca da salvação da vida em uma empreitada já perdida.
No mangue barrento e sujo, o máximo que se acha são caranguejos, que podem ser vendidos ao longo das estradas. 10 por 2 reais.