sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Encontros, despedidas e tendência à falta de imaginação

Elza chegou em casa e bebeu soda depois de brigar com Martim por o ter visto em seu quarto beijando outra mulher. O roçar de corpos lhe causou o choque que provocou o grito e a reação explosiva: atira-se um vaso nos amantes. Martim a seguiu escada abaixo tentou dizer a ela que gostava dela -- e da tal da Valdirene, dita Val, também, apesar de não saber explicar como gostava das duas.

Elza gritou enquanto lágrimas lhe invadiam os olhos e umedeciam os três quintos de rosto que ficavam abaixo da linha de seus olhos. Vociferou que era safadeza, que se abraçassem, ele um safado e ela uma vagabunda, pois se mereciam, e depois saiu, sendo seguida de perto por Martim.

Ela tropeçou na escada, caiu com a saia levantada -- em tempo, a calcinha era nova -- e esfolou os joelhos. Ele bem que a ajudou a levantar, mas ela livrou-se dos braços dele, ganhou a rua e tomou o 3141 Terminal Pq. Dom Pedro II, que a deixou a quatro quadras de casa.

Em casa, apareceu na soleira da porta de entrada com os joelhos de sangue escorrido, com o vestido sujo, os cabelos despenteadas e uma expressão que lhe dava a um só tempo ares de idiota e de perturbada. Em sua cabeça, despontava sonora uma canção do Roberto Carlos, que ela achava que tinha tudo a ver com a traição e a separação, e lhe vinha um nó à garganta.

Enquanto a Helena pedia a Téo o divórcio e os comerciais faziam esperar pela reação de Téo, Elza abria o armário da pia da cozinha e pegava o pote amarelo de soda cáustica Búfalo que ficava dentro dele. Quando Téo disse a Helena que ela era o amor da vida dele, o primeiro e o único, Elza tomou a soda e só voltou a si no dia seguinte, já no hospital municipal, com três vizinhas, todas de regatas e bastante robustas e com uma penugem meio escura no buço, a seu pé, cochichando.

Valdirene, dita Val, foi outra que se viu mexida pelas atitudes de Martim, sobretudo no que diz respeito à corrida dele atrás de sua namorada furiosa. Resolveu que estava sendo preterida e que era da outra que Martim gostava. Apanhou suas sandalhas e prendeu-as contra o corpo com o braço direito; o braço esquerdo ficou incumbido de carregar a bolsa marrom de couro falso e tamanho exagerado. Deixou a porta escancarada e desceu pelas escadas, chegando a tempo de ver Elza saindo em direção à rua e Martim aturdidamente coçando a cabeça a um metro e meio da soleira. Valdirene, a tal Val, dita vagabunda e sem-vergonha por Elza, chegou em casa, abriu uma cerveja. E outra. E assim sucessivamente até dormir à mesa da cozinha e acordar com a garganta raspando devido à bebida gelada e a cabeça a ponto de explodir por conta do álcool. Dois dias assim e Val já não pensava mais tanto em Martim.

No hospital, dois dias depois do incidente com a tal base corrosiva, Elza sentia ainda muita raiva. Sua mãe lhe visitava e ela se divertia lendo a Tititi ou mesmo conversando com Marcelo, o enfermeiro que lhe vinha trazer o caldinho gelado e insosso de legumes que ela tomou por alguns dias naquela época.

Valdirene, a tal Val, casou-se com Martim, pois acreditou quando ele lhe foi procurar com uma rosa vermelha. Ele pensou em fazer o mesmo com Elza, mas pensou que não seria bom vê-la enquanto estivesse convalecendo... Acabou desistindo conforme o tempo passou, pois Val acabou lhe ocupando muito o tempo, juntamente, aliás, com Maria, a quem ele chamava secretamente de galega, que era a vizinha loira que lhe havia feito o curativo na testa após o fatídico dia em que Elza lhe atirou um vaso e que não havia ainda entrado na história.

Elza casou-se com Marcelo, é claro, e trabalha fazendo doces para fora enquanto ele não arruma outro emprego... Sim, ele foi demitido do hospital e, apesar de não falar sobre o assunto, dizem as vizinhas que foi porque foi surpreendido beijando uma paciente cujo dedão havia sido esmagado por um tijolo baiano.