sábado, outubro 13, 2007

Sobre o cinza e o azul

Com a ponta dos dedos, num movimento vigoroso, penteou as sobrancelhas de pêlos negros longos que encimavam os olhos, que agora eram baços e inexpressivos. A boca grande não mostrava os dentes, já que não havia traço de felicidade algum ali que não tivesse sido sobrepujado pelo fundo vazio que se instalara em seu estômago - vazio, apesar das esfihas.
A conversa partia apenas dos outros e assemelhavam-se muito mais a tentativas dos seres humanos de não se verem infinitamente sozinhos dentro de um mundo opressor. Era como se passassem em frente à casa e tocassem a campainha, apenas para que houvesse a certeza de que o vizinho teimava em viver e que a solidão ainda não chegara.
Era enganar-se demais, entretanto, imaginar que não chegaria. Sabia disso e tentava aguardar sem sofrimentos e da melhor forma que pudesse.
O ar quente que o envolvia - era primavera e fazia, impiedosamente, 32ºC - deixava-o cansado e inerte como um hipopótamo sob o sol - analogia lícita apenas enquanto existirem hipopótamos - princípio universal de fugacidade.
Eram monótonos os estímulos que tinha ali. Seus olhos castanhos e a pele branca estavam embotados. É verdade: seu coração não atrofiara, mas a sua estática realidade não era capaz de lhe proporcionar qualquer daquelas emoções raras que jazem nos interstícios da matéria quotidiana da qual ora nos destacamos e ora somos apenas bairro feito tijolo feito muro. Mais um muro.
Não via nenhum encanto na alegria difícil da solidão, pois não a conseguia extrair. Além disso, uma vez ele lêra que esta tal alegria difícil existia e acreditou chorando, pois é isso que sobra quando não há saída alguma.
Saiu por aí. Por vezes, viu algo que lhe alegrou o coração e elevou o espírito.
Muitas outras vezes, saiu na rua e observou o cinza. E caminhou no vento.