terça-feira, outubro 12, 2004

Non-sense

Eu já deveria saber: não adianta, Filipe! Você não é como todo mundo!
Às vezes eu queria ser como todo mundo me parece ser às vezes: uma parede instranponível de insensibilidade. O fato é que o mundo acaba exigindo certa insensibilidade e, ao que parece, todos se acostumam.
Eu não consigo, não sei, transcede a minha capacidade. Não sou gado, não estou exposto em um açougue e tampouco gosto de me sentir usado.
Outra dificuldade é entender a mente das pessoas: todas imprevisíveis e eu todo bobo. Cansei de me machucar com tonteira. E quando a vida parece pregar uma cilada, a resposta que eu encontro é ensimesmar-me. Sim. Se a vida está complicada talvez exija de mim um esforço de reformulação da mesma para melhorá-la até que piore outra vez e assim até o infinito ou à ataúde, de acordo com o que o leitor desejar.
Muita gente sumiu e isso chateia um pouco. Não me achateio com a pessoa e nem com a atitude porque sei que às vezes é necessária, por n motivos. O que chateia é a saudade/solidão/isolamento/compulsão por chocolate. Talvez seja melhor mesmo eu dar um tempo para ponderar sobre o que deve ser feito. Diabos de passionalidade que insiste em surgir quando tudo o que eu precisava era ser frio e insensível. Deve ser assim com todo mundo, não? Pouco importa, quero casa, música de fossa... E a droga do som da sala, que é o melhor daqui de casa, está com problemas para rodar alguns dos CDs. Maldição.

Não vou resistir, vou colocar "os ombros suportam o mundo", do Drummond, aqui. Poema lindo, lindo. Repetição? É sim, mas agora ele está em versão integral.



Os Ombros Suportam O Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossege
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.