domingo, junho 26, 2005

Sobre como pode ser difícil gostar do que é bom

Meu professor de Introdução aos Estudos Literários me estressa, apesar de ser absurdamente competente. Relação de amor e ódio, enfim. Ele não é nem o primeiro e nem o último com quem vou me comportar assim.
Ele estava explicando algo sobre imagem poética e, para isso, selecionou um poema que eu adorei e vou transcrevê-lo (isso porque é muito difícil de achá-lo na Internet). Talvez a aula dele seja mais eficaz do que eu julgo: tenho estado apaixonado por imagens poéticas, por inusistadas e estranhas que possam parecer... Por irracionais que possam parecer.
Espero que gostem d´A enguia.


A enguia

A enguia, a sereia
dos mares frios que deixa o Báltico
para chegar aos nossos mares
aos nossos estuários, aos rios
que do fundo remonta, sob a maré adversa,
de ramo em ramo e depois
de delgado capilar em capilar
sempre mais dentro, mais no coração
do rochedo, filtrando
entre veios de lama até que um dia
desfrechada uma luz dos castanheiros
acende-lhe a faísca em poças de água morta
nos fossos que conjugam os vales
apeninos à Romanha;

a enguia, tocha, látego,
flecha de Amor na terra,
que só nas furnas ou nos ressequidos
riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
a alma verde que busca
vida onde somente
morde o ardor e a desolação
a centelha que diz
tudo começa quando tudo parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
a íris breve, gêmea
daquela que cravas entre os cílios
e fazes brilhar intacta em meio aos filhos
do homem, imersos no teu lodo, como podes
não crê-la tua irmã?

(Eugenio Montale - tradução de Ecléa Bosi)

***

Na sexta eu fui assistir à "Ópera do Malandro", que é um musical da autoria do Chico Buarque. O musical é excelente, os atores cantam muito bem e a banda é maravilhosa. Tudo, tudo ótimo.
Preço? Entrada franca.
Aonde? No teatro laboratório da ECA/USP.
Quando? De quarta a sexta, às 20h30. Aos domingos, às 19h30. A bilheteria abre uma hora antes, isto é, chegue mais ou menos na hora em que estiver abrindo. Não é lotado, mas o teatro acaba enchendo se você marcar touca. São 3 horas de espetáculo.
Tem até uma lanchonete onde se pode comprar comida por preços que não são abusivos.
Além da recomendação, queria dizer que saí de lá tendo me divertido como há muito não fazia. Saí de lá maravilhado com a qualidade do espetáculo em todos os termos. Realmente a peça juntou momentos que realmente me emocionaram com momentos engraçadíssimos retirados todos do prosaico ambiente da zona de meretrício paulistana. Foram feitas algumas adaptações: a peça passou a incluir nomes como Lalau, Maluf, Hildebrando Paschoal, etc.
Bom, eu dificilmente entraria aqui unicamente para recomendar uma peça. Saí de lá revoltado de certa forma.
Como é possível um país que abriga tanta gente tão talentosa permitir que a Carla Peres grave um CD para crianças?
A intenção não é exatamente ficar criticando banda por banda, músico por músico. A intenção é mais registrar a minha indignação mediante a não valorização de atores tão bons quanto os da "ópera" e também tentar despertar a reflexão: quanto do que entra pelos nossos ouvidos e olhos não é lixo?
Produz-se muita coisa muitíssimo boa também, basta selecionar.