quinta-feira, dezembro 30, 2004

Sobre o meu Natal e expectativas para o Ano Novo

Foi meio deprimente o Natal. Passamos meus avós, meus tios, meus primos, minha mãe, minha irmã e eu na casa da minha tia, junto à família do meu tio (tudo por parte de mãe).
Muito ao gosto dos outros anos, eu fiquei deslocado. É o meu lado “gauche”, creio. Cada vez que vêm as festas, eu me convenço mais e mais de que não nasci para interagir com as pessoas. Não que eu não saiba conversar ou que eu seja absurdamente tímido ou algo do gênero. Falta-me a paciência de suportá-las e isso ficou claro no dia 25 à noite. Tendo a uma sensibilidade que insiste em elevar à enésima potência toda a atmosfera de mentira e hipocrisia que circunda a boa convivência entre pessoas que, em verdade, se detestam. Toda família é assim, dizem alguns. Nem sei. Consigo enxergar só a minha e realmente gosto muito de algumas pessoas. Só converso com quem realmente me trata bem e entende e são mais de dois. Aleluia, apesar dos pesares.

O encantamento pelas festas é inversamente proporcional à sua quantidade de anos, segundo a minha teoria. Quando você é pequeno, ganha presentes e, mesmo sem acreditar no bom velhinho, você se sente bem. Mesmo não sendo um velhinho usando roupas vermelhas pesadíssimas para o verão brasileiro, dá a impressão de ser querido e supre as vontades de criança birrenta que todos nós tivemos (e alguns ainda insistem no “ter”, que regula o mundo atual, se é que não o sempre regulou). Depois, no Natal seguinte, quando ninguém tem dinheiro e só os primos menores ganham presente, você vai para o quarto e chora quietinho porque queria ter ganhado um presente igual ao daquela sua prima nojentinha e mimada da qual você sequer gosta. Aí você continua crescendo e, conforme o faz, vai percebendo as nuances de comportamento das pessoas, o quanto elas são chatas e rasas. Você vê os casamentos infelizes, você vê as mentiras sociais, você vê a desilusão, a repressão, a vontade de sumir, os problemas, a incapacidade de alguma pessoas de cozinhar bem... Haja paciência para aturar. O Natal torna-se broxante.

Depois vem o Ano Novo. Grande celebração de alegria para juntar todos os parentes e colocar-se a estourar champanha no primeiro minuto do ano. Todos se abraçam contentes porque o ano que virá trará muita alegria e prosperidade. Na praia, você assiste aos fogos. Lindo, não? Ahmmmmm... Não pode ser só rabugice minha! Fogos são dispensáveis. Gasta-se fortunas em fogos enquanto tem gente que não tem nada para comer. Gente para a qual a alegria de uma festa assim é supérflua. Trata-se de uma grande queima de fogos e de dinheiro público passível de ser empregado em atividades muito mais construtivas do que o agrado de meia dúzia de pessoas... Forta isso, é necessário considerar que é muito cômodo morgar o ano todo e esperar que como por mágica as coisas todas venham a melhorar só porque o ano mudou. Pular ondinhas e comer lentilha (ou romã) são tão eficazes quanto pagar nossos impostos neste país.

Pronto. Até agora, acho que consigo ter uma previsão do perfil que construí a respeito de mim em relação às festas: GRINCH! (nem o filme eu assisti, mas sei mais ou menos do que se trata). Equivocam-se, no entanto. A verdade é que não desgosto das festas de Natal e nem de Ano Novo. Pelo contrário. Só que acho que são celebradas de um modo quase que torto. E qual o valor de uma utopia? Nem sei. O que eu sei é que gostaria que as minhas festas fossem de partilha entre as pessoas que me são mais queridas no mundo, livre da perfídia, hipocrisia, mentira. Por que diabos se tem que ficar feliz nessas datas quando tudo o que fazem é empurrar gente chata goela abaixo? Banana para vocês.

Faço ainda a ressalva: trata-se de revolta mais branda do que aparenta. Se se tratasse de algo com real urgência dramática, eu teria cuidado de me ver livre da corja que me causa mal. Não o fiz e acho que deve ser porque até eu acho utópico o que acabo de propor. Talvez seja um pouco de supervalorização das coisas negativas, que deveriam apenas ser contempladas e abominadas tal qual uma ferida purulenta ao invés de causar raiva. Raiva é uma perda de tempo infinitamente maior e mais danosa do que a leitura deste texto.
As cerejas não estavam doces e nem assim o mundo acabou.

(Depois que escrevi isso das cerejas, lembrei-me de um conto da Lygia Fagundes Telles onde, em um dos contos há uma menção sobre cerejas. Lembrei-me também do "não esquecer que por enquanto é tempo de morangos" da Clarice Lispector. Lembrei só depois, quase como um “dejá vù”, não caracterizando plágio barato, portanto. Nem mesmo achar o Oito contos de amor eu consegui, apesar de ter procurado bastante. Mais um para a lista de livros emprestados e não devolvidos. Também não ganhei o Laços de família de amigo secreto. Inferno. )

Acredito muito naquela coisa do “colher o que se planta”. Não baseado em qualquer justificativa cósmica ou de justiça divina.
Feliz Ano Novo para os que merecem que ele seja feliz.

P.s.: Amelie, fico contente que tenha gostado do conteúdo do meu blog e espero que continue a freqüentá-lo.
P.s.: Notaram como fiz questão de simplificar o modo como escrevo? Nem eu. (Não desta vez porque eu estou especialmente grandiloqüente, mas prometo que posso vir a tentar fazê-lo).