quarta-feira, setembro 21, 2005

Substituição

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Augusto dos Anjos)


Nenhuma justificativa para o poema a não ser as mesmas que me fazem escutar Kittie: uma profunda raiva sem desculpa de mim mesmo e uma profunda tendência ao enterro das quimeras mais preciosas.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Sobre o fim do que nunca existiu

Ontem eu escrevi um texto para postar, mas não concluí. Talvez, feitos os devidos ajustes e correções, ele não se mostre ruim. Não farei ajuste algum e não o publicarei pelo menos por enquanto.
Agora não preciso de idéias articuladas, mas de fluxo de idéias quase que bruto (modo quase sempre efetivo de tentar salvar a paz da minha existência).
O texto de ontem era baseado em algumas reflexões que me vem quando estou triste e esta é a única característica que terá em comum com este (pelo menos até onde consigo prever).
Aliás, não é difícil prever aonde irei, posta a minha dificuldade em encontrar coisas originais sobre que escrever aqui. Eu não escolho temas; eles me escolhem. Escolhem mal, devo dizer. E só o digo porque tenho consciência da falta de profundidade das minhas idéias. Se Saussure está mesmo certo (e ele está) e o modo de observação é responsável pela percepção e análise de algo, porque sinto estar indefinidamente perdido nas óticas menos efetivas, nas que tendem ao medíocre?
Sinceramente, nunca houve época em que eu duvidasse tanto das minhas faculdades quanto agora e que me encontro mais exposto. Não neguemos: na adolescência a vida é vida mais rasa e fechada. Aí estamos protegidos de muito do que assola o mundo.
E agora que mal consigo suportar com o estoicismo próprio dos que demonstram mais dignidade que covardia para com a vida mais agressiva?
Chama a atenção a fraqueza que é inerente à apatia. Como condená-la mediante o que não é mutável? Como condenar a apatia mediante algo que ultrapassa infinitamente qualquer um de nós e que é imutável e que é cruel e que é tão definitivo quanto a angústia dos que vivem sob esta tal mancha, cancro da vida que respira, lógica de morrer pela sobrevivência de outrem, lei definitiva da biologia?
O homem é o lobo do homem, disse Hobbes. Ou seria a Pitty? Pior é crer que eles estão certos. Nunca o desconforto em relação a isso foi tão grande, nunca me senti tão impotente. Queria a ser fraco a ponto de ser apático, mas sou um desses hipersensíveis chorões, que são os poucos amaldiçoados por terem o dom de apreender um pouco do que poder-se-ia definir como o fim de todo o equilíbrio que sempre foi, em verdade, inexistente.

***

Haverá mesmo algum consolo nisto?

Consolo na praia

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

(Carlos Drummond de Andrade)

Fica aqui um agradecimento à Carol, que me apresentou esse poema, que, rapidamente, tornou-se um dos meus favoritos de todos os tempos. Ainda lamento não poder ter sido lá muito útil no seu trabalho de exegese. Tenho certeza de que ele ficou muito bom, no entanto.