segunda-feira, dezembro 26, 2005

Sobre conseguir amarrar sapatos

(ao som de Maria Rita - "Recado")
A mim sempre pareceu rasa a ambição dos yuppies.
Jovens que, segundo uma frase que eu li, perdem a saúde para conseguir dinheiro e depois, já velhos, gastam o dinheiro que conquistaram para conseguir sua saúde de volta.
Parece uma percepção acurada para mim. E, ainda que isso me traga imagens terríveis do mundo-cão capitalista em que vivemos, começo a ponderar a respeito da real importância de se manter alheio a tudo isso, de se manter fora dessa lógica do mundo de aplicação absolutamente pragmática.
Em termos objetivos, há diferença? Ou será que todos deveríamos nos empenhar em atividades que passem longe da artes, já que essas não são assenciais, mas supérfluas e próximas ao que um amigo meu chamou de onanismo intelectual.
Sinceramente, não sei. Tenho questionado demais a respeito disso.
Começo dizendo que sempre me pareceu insana a ambição pelo dinheiro. Dinheiro para se manter, para ter status, para viajar, para consumir, para ser alguém, para ser invejado, querido, aceito, louvado, admirado, vítima de macumba e, no limite da análise, para ser feliz. Engana-se quem acha que dinheiro não traz felicidade, visto que é ele quem propicia condições mínimas de sobrevivência e, por tabela, a sobrevivência em si.
Essa corrida pelo dinheiro, pai do mundo atual, sempre me causou certa repulsa.
Peguei-me co inveja de quem possui essa ambição, entretanto. Dói-me, inclusive, admitir que invejo alguém q possui uma ambição tão pouco bonita.
Provavelmente, o que é bonito não é exatamente funcional e funcional é a condição do mundo atual. As coisas têm de possuir função. Cabeça para usar boné!
Em um mundo assim, cada um que defina a sua fuñção. Qual a minha?
Se um belo dia me perguntassem de chofre se o mundo mudaria sem mim, eu não saberia precisar uma resposta. Talvez meus pais sentissem falta, meus amigos. Mas "mundo" é muita gente, gente q nem imagina que eu exista.
Pergunta: o que é sucesso?
Ter dinheiro para poder comprar quem e o quê quiser?
Ter sucesso, prestígio? Caráter? Ser reconhecido?
Ter uma família linda? Fazer sucesso com gente?
Ou ser um ser humano que é per se algo infinitamente maior do que o comum, profundo de generosidade, sabedoria, piedade etc?
Provavelmente, no mundo de hoje esse último teria vivido de vender artesanato e, quando da sua morte, teria sido enterrado como indigente no Cemitério da Vila Formosa.
Pessoas profundas provavelmente são incômodas por pensarem demais, não rasas o suficiente para suprir a demanda, incapazes de amarrar os próprios sapatos. Seriam como o albatroz do célebre poema: fadados a caminharem desajeitadamente pelo mundo, já que o ambiente a que pertence é o ar.
Sinto-me um pouco assim. Talvez isso seja um pouco do "gauchismo existencial" que cada um de nós possui, conforme me alertou uma amiga certa vez.
Provavelmente.
Mas isso não resolve minhas questões, sempre tão profundamente egoístas.
Preciso descobrir para que eu estou aqui, já que tudo o que está aqui está porque deve ter uma função.
Não nasci para ser a Madre Teresa, infelizmente. Se tivesse nascido, não estaria me questionando. Provavelmente, sou um yuppie que nega a sua ambição por não se sentir capaz de enfrentar o mund para obter o que deseja.
Infelizmente, ainda não descobri o que eu quero para mim. Não descobri se dinheiro, poder, reconhecimento, prestígio. Só sei que não gostaria de passar sobre ninguém para isso.
Outra constatação: difícil pensar em alguém que tenha se tornado absolutamente notório tendo passado pela vida com uma conduta irreparável. Será mesmo que precisamos nos sujar para conseguir algo?
Será que precisamos conseguir alguma coisa?
Difícil achar que conseguir o que quer que seja passe de uma tentativa humana a dar um significado ou incentivo qualquer ao fato de que nós vivemos e que não há muita escolha a esse respeito.

***

Será que só eu vejo um lamento a respeito do movimento yuppie que surge mediante a nossa sociedade materialista nessa música?

Busca Vida

Vou sair pra ver o céu
Vou me perder entre as estrelas
Ver daonde nasce o sol
Como se guiam os planetas pelo espaço
Meus passos
Nunca mais serão iguais

Se for mais veloz que a luz
Então escapo da tristeza
Deixo toda a dor pra trás
Perdida num planeta abandonado
Pelo espaço
E volto sem olhar pra trás

No escuro do céu
Mais longe que o sol
Perdido num planeta abandonado
Pelo espaço

Ele ganhou dinheiro
Ele assinou contratos
E comprou um terno
Trocou o carro
E desaprendeu
A caminhar no céu
E foi o princípio do fim

Se for mais veloz que a luz
Então escapo da tristeza
Deixo toda a dor pra trás
Perdida num planeta abandonado
Pelo espaço

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Sobre a minha concepção de apocalipse

Acabei de fazer a minha matrícula em algumas das disciplinas obrigatórias da faculdade. Estranho como isso me fez pensar muito.
Nesse ano eu tive apenas quatro matérias, que tinham uma exigência de leitura razoavelmente grande. A previsão para o próximo semestre é de seis ou sete matérias.
Além do aumento de matérias, há a possibilidade de que eu volte a trabalhar, provavelmente todos os dias.
Isso traz uma questão interessante: como darei conta satisfatoriamente da faculdade sendo que com quatro matérias e bastante tempo livre isso já era difícil? Repare que eu disse SATISFATORIAMENTE.
Eu sinceramente tenho medo de começar a pensar nisso, uma vez que não gosto de me imaginar de novo à beira da estafa nervosa. O ideal, para mim, seria que ninguém precisasse trabalhar enquanto estuda, exceto em casos em que o trabalho faz parte do aprendizado, como nos estágios de Direito.
Normalmente dizem que o que levamos dessa vida são os momentos felizes, que passamos com pessoas de que gostamos, ou seja, os momentos em que vivemos de fato.
Mas como é possível VIVER sem ter tempo para a vida?
Muitas pessoas em nosso país não têm outra escolha a não ser trabalhar e estudar. Estudo para melhorar o salário, salário para ajudar a família, que não tem condição de se manter sozinha.
Claro, eu tinha de chegar ao ponto de dizer que trabalhamos entregando dia após dia a nossa saúde, alegria e sangue para um sistema corrupto que não permite nem que as pessoas adquiram formação intelectual de modo decente, mesmo se estas pessoas estiverem matriculadas nas melhroes universidades.
Não consigo olhar com outro sentimento que não a angústia para os prognósticos de trabalho mal-remunerado dia após dia. A idéia é repugnante.
Não que eu despreze o trabalho. Na verdade, concordo que ele dignifica o ser humano, como costumam dizer. Mas e quando o trabalho é uma imposição de uma vida que não é justa? E quando é uma imposição que atrapalhará a vida da pessoa que dele depende?
No meu caso, meus pais têm condições de me sustentar. Sorte minha? Por que outros não têm essa sorte? Em que eu sou melhor para merecer isso?
Não, eu não mereço porque não sou melhor, pelo contrário.
Não apenas não sou melhor, como sou muito mais fraco, medroso.
Provavelmente acabarei inserido nessa lógica de esforço vão em direção ao trabalho e a uma colocação na vida. Provavelmente serei infeliz nessa lógica e me sentirei muito sozinho, já que ninguém poderá dividir materialmente essa experiência comigo. Nem materialmente e talvez nem de outro modo, já que estarão todos muito ocupados sendo sugados também, como eu também serei.
Sugados pelo sistema, individualizados e sem tempo para dançar. Sem tempo para o próximo, fadados a relacionamentos vazios, fáticos/fálicos, improdutivos.
Os problemas individuais já não interessarão a nenhum outro e só nos uniríamos para, a mil mãos, compormos um réquiem para a amizade, que já mostra sinais de morte iminente.
Compremos cachorros, eles podem ser nossa única companhia sincera conforme os tempos avançam e começamos a ter mais de 20 anos. Será que daqui para frente é possível existir algo verdadeiramente sincero? Até acho que sim. Uma pena não termos pena para isso.
(Texto ruim e pessimista. Desculpem-me, OK? Eu PRECISEI escrever isso. Já já passa e eu conseguirei raciocinar com mais clareza.)