sábado, julho 23, 2005

Sobre esperança, justiça e estar fadado a catar latas

Há planos da minha irmã que envolvem uma ida para a Austrália num futuro não muito distante e isso traz questões.
Como quem achou uma solução para todos os problemas, ela tratou de cobrir os planos de mudança para o outro lado do mundo de vantagens - expediente comum entre aqueles que buscam pontos positivos a respeito de algo de que não se tem certeza.
De repente, a Austrália passou a ser verdade e signo de esperança, uma saída lógica a um descontente - o que é muito análogo a um bêbado de vida destruída que converte-se e busca algo digno de apego, digno de altar.
E a Austrália ganhou altar e fiel.
A partir disso, a vida que ela leva passou a não ser suficiente porque vivemos num país que não é sério, onde quem é honesto não cresce e, pelo contrário, pena. É o país dos espertos (e até que ponto os que cumprem as regras não o fazem por única e exclusiva falta de capacidade de contravenção?).
No país do Marcos Valério, dá para realmente acreditar que haverá algum dia justiça, eterna esperança do mundo? (Sim, o conteúdo do post e quase que repetido. Não consigo evitar de pensar em tdo o que o agnosticismo rouba).
É lugar-comum, eu sei. A corrupção mina a esperança das pessoas porque revela o quão insatisfatoriamente sério é o nosso país.
O problema é que o escândalo veio em hora crítica, hora em que eu estava questionando até que ponto o fato da minha irmã estar cansada da vida maçante que leva e não se sentir reconhecida permite uma impressão acurada da realidade.
Até que ponto eu, que é o que realmente importa num blog saturado de egostismo, não estou fadado a ser um bacharel em Letras que catará latas pela vida inteira e será sempre obrigado a fazer crediários para comprar a tão sonhada TV 29 polegadas?
O ponto central é: até que ponto esse país permite um reconhecimento pelo que se estuda, que se realiza?
Todos sabem que é um país inundado pela corrupção e o meu ânimo se afogou. "QI" para nós é igual a "quem indica" e eu hoje passei na prova do Detran sem o devido mérito. Pelo nervosismo, muito provavelmente, teria ficado retido novamente e isso é perturbador.
São muitos, por outro lado, os que, teoricamente, deveriam ter algum sucesso como recompensa por uma passagem irretocável pelo mundo e que, no entanto, têm de se sujeitar a uma vida que é quase-vida.
O ânimo atual não permite elaborar uma conclusão. Não sei bem o que pensar porque teimo em ter esperança tanto quanto se consegue. Porque não acredito em santos mas torço para que, apesar disso, eles abençoem o povo e para que, se existirem, consigam fazer com que sua capacidade de perdão sobrepuje a afronta da minha descrença.
No mais, não sei se a viagem à Austrália irá para a frente. Considero um tanto quando idealizada e impulsiva, sem mecionar arriscada. E o capitalismo exige tanto uma ousadia que eu nunca tive. Estarei mesmo condenado? A viagem sairá mesmo da prancheta de planejamento?
Resta esperar e talvez reste agir.

***

A música a seguir não tem a ver com o post mas é bem adequada ao estado de humor.

Pierrot

Sim, eu resolvi me ausentar
Para ocultar a minha dor
Fugi, menti
Talvez por pudor

Desde então tanta coisa aconteceu
Que eu parei prá melhor pensar:
Voltei prá te dizer o quanto eu senti
Não te beijar

E a vida segue, sempre nesse vai e vem
Que não passa das ondas do amor
Gira, roda
Como um pierrot

Eis que um dia aquela bela casa cai
E não há mais como negar:
Voltei para te dizer que aqui no meu Brasil
Outra flor não há

Aqui: cada cidade é uma ilha, sem laços, traços, sem trilha
E o medo a nos rodear
Então: bem vindos à minha terra feita de homens em guerra
E outros loucos pra amar

E tem sido assim, desde que o mundo é mundo
Os homens temem a paixão
Ela fere, ela mata
Tal qual um dragão

Enfrentar ainda causa tanto medo
Mas fugir é bem pior:
Voltei para te dizer que nessa guerra
Não há vencedor

Aqui: cada cidade é um port, disse o poeta prum broto
Que não queria arriscar
Vem, bem vindo a minha terra, feita de homens em guerra
E um outro louco para amar

(Marina Lima)

quarta-feira, julho 06, 2005

Da reprovação e outros aspectos

Toda e qualquer tentativa de fazer algo novo é, via de regra, acompanhada de algumas dificuldades e empecilhos.
Com a prova prática do Detran não poderia ser diferente. Reprovei e acho que devo isso mais ao nervosismo do que à incapacidade de dirigir, ainda que não me considere um motorista na acepção certa da palavra. Fica a pergunta: e no próximo? Será que eu conseguirei me controlar?
Essa é uma das coisas na vida que se tem que fazer sozinho, infelizmente não tem muito a quem recorrer. Não ter a quem recorrer talvez seja uma das adaptações mais difíceis em relação à passagem da puberdade à idade adulta.
Amanhã, por exemplo, vou assistir a uma aula na escola onde vou trabalhar para ver como funciona o esquema. Quando eu for dar a minha primeira aula, serei apenas eu sozinho. Dependerá exclusivamente de mim, como poucas coisas dependeram até então.
Somada a isso, uma grande falta de confiança na minha capacidade. Falta um pouco de agressividade, de estima em relação às minhas próprias competências. Essas competências parecem só existir quando reconhecidas por alguém, o que torna bem complicado fazer as coisas sozinho. Queria não depender tanto dos outros para acreditar em mim. Isso tornaria mais fácil ser um pouco mais autônomo, além de possibilitar a redução do sentimento de que ninguém parece dar a mínima pelo que passo. Tenho a tendência a esperar um apoio de quem às vezes não está disposto a dá-lo, o que é bem frustrante.
Isso, de certo modo, relaciona-se com o fato de eu ficar chateado também quando acho que ninguém compartilha as minhas alegrias do modo como eu gostaria que compartlhassem, do modo como eu julgo que eu faria caso a situação fosse inversa.
Assim, fico revoltado contra o individualismo e o egoísmo do mundo e termino escrevendo aqueles posts intermináveis sobre o assunto, o que não cabe agora (tenho a impressão de que vou me contradizer, mas dane-se).
Cabe apenas dizer que eu queria ter mais gente mais perto e que a distância para mim é sim algo que, aos poucos, dilui os vínculos e cria estranhos.
Até faço algum esforço para trazer as pessoas que gosto para junto de mim, mas nem todos parecem estar dispostos a isso.
"Sistema maldito", diria uma amiga minha e eu tendo a concordar com isso hoje em dia. Não porque ache que deveríamos substituir esse sistema que coloca todos em busca das suas próprias realizações (mesmo que isso signifique a distância), mas por simplesmente discordar desse aspecto que afasta pessoas. Sou bem cético quanto a qualquer mudança nesse sistema, isto é, não vai ocorrer nada e tavez tenhamos que aprender a comer o fígado alheio para amealhar algumas migalhas vida afora. Não vamos criar uma sociedade que vai de mãos dadas, muito menos uma que dança entre o bonde e a árvore porque ela não parece possível. No máximo, dançaremos em boates e já sem muita alegria. E cada um que pague o seu se puder, porque, afinal, é bem caro e ninguém trabalha para sustentar ninguém. (É caro para "selecionar" o público...)
A imagem de pessoas dançando (em Drummond) é linda, mas me parece utópica e, até por isso, vem acompanhada de uma melancolia intensa. É intensa porque vejo a real situação do mundo ou porque me considero incapaz para esse mundo por não saber a quem matar para conseguir as coisas que quero?
Como sempre, provavelmente, há algo de egoísta no que revolta, o que é bem lógico. Cada um responde pelo seu próprio ponto de vista (e só por ele!) e pelas respostas aos estímulos empíricos, isto é, cada um apreende a realidade de uma forma e, em si, já se esboça nisso algum caráter subjetivo. Por isso não existe o objetivismo absoluto e por isso é que surge ainda alguma revolta nos que vêem em si mesmos engrenagens de uma rotina desumana e automatizante, inadequada aos que se parecem comigo, pelo menos. É mais ou menos um especto "gauche", não é? Algo da inadequação...
Ah, que pretensão. Nem no exame passei e tenho a audácia de querer achar algo de Drummond na minha vida. "Eta vida besta, meu Deus"!