domingo, fevereiro 27, 2005

Sobre a ganância e a importância de não arrotar peru

TEXTO 1 – Reflexão pessoal e, surpreendentemente, não-egotista

- Então, D. Fulana, a senhora não vai participar do amigo secreto?
- Não vou, não dá. Eu prefiro economizar o dinheiro do amigo secreto para poder levar meu filho mais novo ao McDonald’s. Eu sempre levo, uma vez por ano, perto do Natal...

***

Tenho conversado com gente, exatamente como sempre fiz. Mister: o ser humano é social. Essas pessoas mantêm funções quase que bem definidas, ainda que às vezes se confundam. Com algumas pessoas, eu tenho contato com fatos, pensamentos e observações repugnantes o suficiente para causarem alguma reflexão. Com outras, eu debato as minhas reflexões. Foi numa conversa sobre as minhas últimas reflexões e sobre o tipo de comportamento que estava sendo o meu calcanhar-de-Aquiles que eu acabei ouvindo que andava trotskista. Sinceramente, tenho as minhas dúvidas e vou fundamentar os motivos de eu não chegar nem próximo ao comunismo (mas também de não ficar tão longe dele).
Comecemos por dizer que o importante é não arrotar peru. Comendo mortadela ou peru, é importante ter em mente que a ostentação e a futilidade são de gosto muito discutível em um país (e em um mundo) onde ainda há gente que morre de inanição e de doenças por simples falta de acesso à informação, à água tratada e esgoto. Nunca mais fui a mesma pessoa depois de descobrir que há lugares em São Paulo que tem a coragem de cobrar R$ 1600 por um camarote, tudo para “selecionar” o público. De partida, já é necessário dizer que “selecionar” é uma palavra de muito mau gosto quando se tratando de gente, sobretudo quando o critério não é menos raso do que a conta bancária. É bem óbvio que há uma relação muito direta entre o dinheiro, a seleção e há o apartheid social.
Herbert Spencer criou, no século XIX, o Darwinismo Social. Era uma teoria cretina elaborada por alguém não menos cretino que colocava as desigualdades sociais como produto da diferença dos níveis de adaptação que ocorre entre os homens em relação à vida em sociedade. Em suma, os ricos são ricos porque se mostram mais aptos à vida em sociedade do que os pobres, que são menos evoluídos. Curioso é que ainda haja gente que pense assim, que discrimina a pobreza como se se tratasse de algo sujo, promíscuo e, sobretudo, inferior. A sacada é entender que a diferença entre pobres e ricos é conseqüência das desigualdades e não causa das mesmas. Quantas vezes não vemos o conceito de “gente bonita” estar diretamente relacionado ao dinheiro que essas pessoas possuem? É óbvio que gente com mais dinheiro tem acesso a uma vida de qualidade elevada com muito menos esforço. Claro, e é óbvio, muito óbvio! Óbvio e cruel, como muitas coisas na vida. Enquanto há quem tenha a disponibilidade de gastar R$ 1600 em uma noite para ver “gente bonita”, há pessoas que são obrigadas a trabalhar como escravas em olarias, em carvoarias, catando papelão ou latinha pelas ruas (naquelas carroças onde homens fazem o papel dos animais de carga).
Posto isso, não sou idiota o suficiente para defender que quem tem dinheiro não deve desfrutar dele. Não é imoral ter dinheiro, não é imoral desfrutar dele e gastá-lo como bem entender. Caridade é, muitas vezes, forma de esmola e de promoção social, o que, por ser feita devido a puro egoísmo, perde seu valor. Fora que de assistencialistas o inferno está cheio. Chega de distribuir dentaduras! A imoralidade mora na discriminação da pobreza e a sua colocação como se fosse produto da vagabundagem alheia, ao fato de que brasileiro não trabalha ou à inferioridade e incapacidade. Imoral é alguém se aproveitar da falta de instrução para tripudiar. Imoral é a hipocrisia.
Para começo de conversa, esse negócio de que brasileiro não trabalha é idiotice. Somos um dos povos que mais trabalha no mundo inteiro e suportamos uma carga tributária escorchante e nem por isso nossas classes baixas desfrutam dos direitos mais básicos, como moradia, educação e saúde. Será que não é mais fácil ser patriota morando na Suécia?
Certo... Disso tudo vocês devem estar carecas de saber. E eu disse isso tudo para quê, afinal? O que acontece é que eu odeio a futilidade de certas pessoas, apesar de ela ser uma fonte singular de impulso para escrever. Eu precisava muito condenar todo esse tipo de comportamento ridículo que às vezes eu noto em pessoa muito próximas, que às vezes me desapontam com essa estreiteza de visão. Talvez só tenha faltado uma certa necessidade de reflexão desses aspectos. Talvez tenha faltado capacidade ou sensibilidade para tanto.
Não sou trotskista porque não poderia ser. O comunismo atualmente me parece utópico, sobretudo com essa coisa toda de Doutrina Bush. Mije fora do penico e seja invadido pelos marines.
Em que eu acredito? Acho que acredito na social democracia, tal como ela deve ser concebida. Capitalismo sim, mas com a famigerada distribuição de renda e com reformas de cunho social (daí “pseudotrotskismo”). Já é tempo de começarmos a ver algum retorno pelos impostos e pela riqueza que geramos. Fora isso, educação, muita educação. Ensinemos às pessoas a não perderem os dentes para nunca mais terem seus votos trocados por dentaduras.

***

Ah, Bandeira, Bandeira... Sempre que não me sinto só é porque tenho gente por perto para me entender e partilhar do que eu sinto.


O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

(Manuel Bandeira)


TEXTO 2 – reflexões sobre ganância e frustração

E é chegada a hora de eu tentar de novo salvar a parca paz da minha existência através dos meus questionamentos, tentando trazer à tona alguma lucidez para enfrentar a vida com a mesma coragem omissa e apática que têm os miseráveis vida afora, com a resignação dos que recebem salário mínimo.
A questão do salário mínimo me traz os pobres à cabeça e me lembra de certa sorte de comportamento que me irrita. Definitivamente, é necessária coragem para assumir que, por mais que façamos e representemos, não somos nada. Corajosos os que assumem que não são coisa nenhuma. A máscara da importância cabe como expediente excelente para que seja maquiada toda a necessidade de afirmação perante os outros e perante si mesmo. Não prego a humildade cristã porque não me é suficiente e soa medíocre. Quero apenas o realismo: somos quase nada e isso é muito duro se assumir. Qualquer pensamento que pareça contrário a isso tende a me assustar. O menosprezo pressupõe superioridade de uma das partes. Fora isso, nunca tive o impulso de abraçar o mundo sozinho e tenho medo de quem tem. Dá medo porque isso talvez passe por cima de tanta coisa tão mais importante e saborosa. Dá medo porque o mundo assume um cinza e em tudo o que leva ao choro de júbilo se impõe um amargor de frustração devido ao que nunca acontece aos que renunciam à vida. Tenho medo do mundo ganancioso, do mundo egoísta com fome de si mesmo. Talvez seja uma fuga, um modo de eu tentar explicar a minha falta de fome de vitória. E o que exatamente é ser vitorioso? Será que eu só não sou comunista por mera questão de criação e temperamento não propícios? Talvez.

(ai, que confuso...!)

domingo, fevereiro 20, 2005

Antologia

Abaixo vou listar uns trechos de músicas que me parecem particularmente expressivos, emocionantes ou marcantes. Acho que com isso consigo provar que o meu gosto musical não está indo ladeira abaixo, que aquela música do Claudinho e Buchecha foi um lapso...(rs) Espero que gostem. (Incrível como na teoria a idéia de fazer um post só com os trechos parecia mais emocionante. Agora, tudo escrito e organizado... Parece que morreu.)
Há, obviamente, o sentimento de que muitas músicas marcantes não foram incluídas, o que se justifica por, na verdade, esse post estar mais circunscrito ao que eu dei conta de lembrar e ao que eu mais tenho escutado ultimamente. O ócio e a falta do que escrever matam. Talvez eu consiga ânimo para falar do meu “pseudotrotskismo” numa próxima vez. Até lá, fiquem com isso mesmo. Em alguns casos, nào é necessário ser nenhum gênio para saber de que ocasiões eu estou tratando... Boa (e longa) viagem para os que tiverem a paciência de ler.

"Céu abriga o recado pra eu me guardar
Mudanças estão por vir
Esperar ser proclamado
O grande final, o grande final feliz
Que tal aquele brinde que faltou ?
Será que teria sido assim?
Acho que vou desistir"
(Marina Lima - "O chamado")

***

“E por maus caminhos de toda sorte
Buscando a vida, encontrando a morte
Pela meia rosa do quadrante Norte
João, João

Um tal de Chico chamado Antônio
Num cavalo baio que era um burro velho
Que na barra fria já cruzado o rio
Lá vinha Matias cujo o nome é Pedro
Aliás Horácio, vulgo Simão
Lá um chamado Tião
Chamado João”
(Tom Jobim – “Matita Perê”)

***

"Você me disse apenas:
"Fui ao inferno,
Tudo prá não te procurar"
Eu me senti num beco
E disse a seco
"Como é que não te vi por lá?"
(Marina Lima - "Prestes a voar")

***

“Well you may never be or have a husband you may never have or hold a child
You will learn to lose everything we are temporary arrangements
(…)
And may god bless you in your travels in your conquests and queries”
(Alanis Morissette – “No pressure over capuccino”)

***

“Se for mais veloz que a luz
Então escape da tristeza
Deixo toda dor pra trás
Perdida num planeta abandonado
No espaço
E volto sem olhar pra trás
(...)
Ele ganhou dinheiro
Ele assinou o contrtato
Comprou um terno
Trocou o carro
E desaprendeu a caminhar no céu
E foi o princípio do fim”.
(Paralamas do Sucesso – “Busca Vida”)

***

“I’ll live through you
I’ll make you what I never was
If you’re the best, then maybe so am I
Compared to him compared to her
I’m doing this for your damn good
You’ll make up for what I blew
What’s the problem?… Why are you crying?

Be a good boy
Push a little farther now
It wasn’t fast enough
To make us happy
We’ll love you just the way you are
If you’re perfect”
(Alanis Morissette – “Perfect”)

***

“Un niño nacería ya sabias la fecha.
Y antes de que el vecino y la familia supieran
Fuiste donde el doctor a acabar el problema
Tu vecino esta en casa dándose un buen duchazo
Y tu dos metros bajo tierra viendo crecer los gusanos.

Pero si a la hora del te nada pasa
Solo te irás lejos de casa
Por haber traído un habitante de mas
A ingresar a esta podrida ciudad
Donde lo que no se quiere se mata.”
(Shakira – “Se quiere... se mata”)

***

"Há sonhos e insônias
Ozônios e Amazônias
E um novo amor no ar
Entre bilhões de humanos
E siderais enganos
Eu quero é te abraçar"
(Marina Lima - "$Cara")

***

“Whatever makes you happy,
Whatever you want,
You're so fucking special,
I wish I was special...
But I'm a creep, I'm a weird.
What the hell am I doing here?
I don't belong here.
I don't belong here.”
(Radiohead – “Creep”)

***

“Olha lá quem acha que perder
é ser menor na vida
Olha lá quem sempre quer vitória
e perde a glória de chorar

Eu que já não quero mais ser um vencedor,
levo a vida devagar pra não faltar amor.”
(Los Hermanos – “O vencedor”)

***

“Olha lá ele não é feliz
Sempre diz que é do tipo cara valente
Mas veja só
A gente sabe
Esse humor é coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão
(...)
Ê! Ê! Ele não é de nada
Oiá! Essa cara amarrada
É só um jeito de viver nesse mundo de magoas”
(Maria Rita – “Cara valente”)

***

“Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
E o medo se aconchegar
sob o seu lençol

E se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
ela chega aí
Você pode estar
tristíssimo no seu quarto

Que eu sempre terei
meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir,
e coração de escutar
E nunca me farto
do uníssono com a vida”
(Marisa Monte/Caetano Veloso – “Sou seu sabiá”)

***

“Onde queres o ato eu sou o espírito
E onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo
E onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução
E onde queres bandido eu sou o herói”
(Caetano Veloso – “O quereres”)

***

“É quando teus amigos te surpreendem
Deixando a vida de repente
E não se quer acreditar
Mas essa vida é passageira
Chorar eu sei que é besteira
Mas, meu amigo, não dá pra segurar
Não dá pra segurar
Não dá pra segurar
Não dá pra segurar
Desculpe meu amigo, mas não dá prá segurar”
(Ira! – “Vida passageira”)

***

“Se ela me deixou, a dor
é minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó,
Eu tenho a minha dor.
Se ela preferiu ficar sozinha
Ou já tem um outro bem.
Se ela me deixou a dor é minha,
A dor é de quem tem
É o meu troféu, é o que restou,
É o que me aquece sem me dar calor.
Se eu não tenho o meu amor
Eu tenho a minha dor”
(Marisa Monte – “De mais ninguém”)

***

“You hadn't seen your father in such a long time.
He died in the arms of his lover.
How dare he?
Your mother never left the house.
She never married anyone else,
You took it upon yourself to console her.
(...)
So here we both are battling similar demons (notcoincidentally)
You see in getting beyond knowing it slowly intellectually,
You're not relinquishing your majesty.
You are wise, you are warm, you are courageous, you are big.
And I love you more now than I ever have in my whole life.”
(Alanis Morissette – “The couch”)

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Post medíocre por razão nobre

(lembrem-se:escrevo pior sob efeito da felicidade)

Uma palavra: passeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei!!!
Estou radiante porque sou um dos alunos da nova turma do curso de Letras da FFLCH/USP. Algum dos leitores podem pensar que é fácil passar no curso de Letras e eu mesmo digo: não é difícil mesmo. O que vale para mim é todo o diferencial que teve: esforço.
Qualquer tentativa de fazer o meu curso parecer inferior não passa de uma tentativa de parecer melhor perante a mim, portanto, não caiam nessa. Cada um na sua e há espaço para todo mundo. O mundo não necessita só dos formandos da Medicina/Pinheiros... Até porque o mundo seria um caos coberto de médicos: eles são muito complicados.
Fico muito contente de poder contar com pessoas que me são sinceras e generosas o suficiente para ficartem felizes por mim, dividirem o nó na gargante e o grito rouco de felicidade. Sei que fiz por merecer a minha vaga porque me esforcei, mas sei também que nem sempre essas coisas são justas. O fato é que muitos de vocês mereceram mais do que eu e não passaram e eu gosto muito de pensar que vocês terão o que merecem algum dia.
É muito bom poder contar com o apoio de amigos, pais e familiares maravilhosos como eu pude contar. Sei que esse post vai soar piegas, mas me importo tanto quanto me importo com o fato de ficarem irritados com a minha mania de desviar os olhos enquanto falo com as pessoas. Não me importo.
É muito bom poder saber que conto com vocês. É muito bom ter meu esforço reconhecido. É muito bom saber que agora começa uma nova fase tão dura quanto a anterior. Sobretudo, é muito bom me sentir tão vivo. E chega.