quarta-feira, julho 26, 2006

Por que menos, não é mesmo?

Descrever-se é uma agressão. Não passa de esforço bobo e pouco profícuo: coloca-se nome nas coisas e pronto: a realidade é retorcida pela profusão de semas e ficamos mais distantes do Deus. E o Deus não é transcendente -- o Deus somos nós e nós somos tudo, porque "nós" em si já é um tipo de mais-valia.
Arrisco-me:
Sou como todos nós: eu também grito e preciso de alguém que ouça. Um grito não ouvido nunca existiu, e assim criamos suicidas mudos.
Não sou um suicida, mas só porque tenho a quem agradecer de joelhos. E eu gosto muito, gosto muitíssimo.
Amém, obrigado.

***

Juro que estou tentando chegar àquela humildade difícil que tem quem é de fato humilde. Não é fácil e o modo como me comporto é a prova disso.

"I am the biggest hypocrite
I've been undeniably jealous
I have been loud and pretentious
I have been utterly threatened

I've gotten candy for my self-interest
The sexy treadmill capitalist
Heaven forbid I be criticized
Heaven forbid I be ignored

I have abused my power
forgive me".

Colocar letras de música ainda me vem a contragosto. Ainda.

terça-feira, julho 11, 2006

Trazido pelo ócio

Quis escrever cartas, mas nem sei a quem.
O impulso é forte e quase instintivo: queria um leitor que me fosse antes de tudo afetuoso e paciente, que não se importasse se a carta em si é desimportante e lhe tenha ainda assim tomado tempo.
E não há o que dizer; não há sequer motivo para carta alguma.
Antes, há o direito e a necessidade de grito, e talvez o grito só exista se alguém o escutar.
E há a necessidade primal: a carta, sem para onde ou a quem e sem o quê, como boi que urra se tangido a ferro.
Para que serve seu urro se ninguém lhe socorrerá? Do mesmo modo, temos a carta, que não é uma carta de suicida. Suicidas escrevem cartas por motivos outros. Têm sorte; já usufruiram demais dos seus direitos, mas não acharam quem lhes ouvisse o urro.
Depois de tudo silenciado, não há silêncio; há urros.