sexta-feira, abril 20, 2007

Da gênese de um homem

Havia então um descompasso injustificado, uma quebra na dinâmica dos humores intersticiais de um organismo que se presumia vivo. E talvez estivesse vivo, já que pulsava.
O estômago já não estava cheio de poesia; parecia, no lugar, abrigar a crescente culpa da inércia e a raiva do enfado. Mas pulsava.
O pescoço, apesar dos protestos, ainda sustentava a cabeça fatigada pelos pseudo-problemas - a aceitação de que as coisas simples e cruelmente são, independentemente do desejável, do crível ou do moral, parecia insuportável. Um pseudo-problema ainda é um problema. Pulso.
Vários conjuntos a um tempo unitários e incompletos continuavam bailando indefinidamente numa roda. Gira, gira, gira - teimosamente, pulsa. Tudo é sincopado sob o céu de chumbo inalterável - ritmo da vida, indefinidamente.
Tristeza. Um estíolo cortado, corola desfeita, murcha e sem viço.
É a arritmia e a apnéia - parada cardio-respiratória.
Injeção de adrenalina no fatigado miocárdio.
Nasce um quase-vivo.
Ele vem de terno e gravata. Em seu bolso, o espírito domado, camisinhas e uma fatura de cartão de crédito.