sexta-feira, dezembro 22, 2006

Por onde ando (epifania ao som de Weezer)

Sinto que algo de errado está crescendo. Há um descompasso qualquer perturbando a ordem das coisas. Numa dessas noites abafadas, encarnei as características humanas mais repugnantes e fui hipócrita, pois as neguei com vontade de salvar minha pele. Persiste a preocupação com a opinião alheia, talvez mais forte que nunca. Houve o momento epifânico, e ele veio sem aviso. Prostrado, arquejei em desespero por ter finalmente conhecido a verdade a respeito do que de fato sou.
O grande afresco, todo colorido, havia finalmente desbotado e perdido a força conforme as lascas de sua tinta caíam ao chão e eram varridas por alguma serviçal indolente. Três mil anos de apagamento condensados em um segundo. Tudo o que sobrou foi a imagem tímida da decadência do que fora construído pelo homem, mas que perdeu o frescor ao longo do tempo, ícone da decadência de um império ou da falência de um mecenato iletrado.
A idéia de liberdade de então não vem senão como uma mentira, que se tenta justificar através das idéias de diferenças entre os humanos e na profusão de quadros explicativos da axiologia, todos elaborados às pressas, em desespero e fundados em algo que se quer crível.
Mesmo um projeto falido de puro alargamento do próprio eu parece mais profícuo que o atual, e causa a inveja de uma vida mais feliz, pautada por um ideal bonito e que parece render frutos a princípio, ainda que se saiba utópico no fundo de mim e de meu irmão.
Sei que me afasto de meus amigos, pois nunca soube como tratá-los. Que minha presunção não os tenha atingido com força.
Falta algo que não posso pedir a ninguém, algo que não deveria faltar e que falta e é o mal do mundo. Contaminei-me. Contaminei-me ou teria sempre sido assim e sido incapaz de perceber o que gritava em minha frente. Agora eu vejo com clareza a precariedade em que estou imerso e da qual não sei se é possível fugir. Talvez fugir não seja a escolha certa. No fundo, talvez não passe de um doloroso processo de aprendizagem, como tem sido sempre para aqueles cuja alma não se recusa a ver a verdade do mundo todo caótico em si e ordenado pelo pretensioso intelecto humano.
Não sei qual a saída para tudo isso. Só sei que vejo a solidão como realidade inescapável e dolorosa, até mesmo para aqueles que melhor fingem. Não se enganem: com o tempo, de nota em nota, percebo a realidade sem sol e estéril que os circunda e faz chorar quando estão sozinhos, estado primeiro e renegado dos homens.
Regida pelo acaso, a vida não passa do próprio acaso em movimento, se dobrando e desdobrando, criando a ilusão de sentido em cada uma dessas sobreposições que não se devem a nada além de mera sorte — um poro apenas, entupido, inflama-se sem que se levante qualquer dúvida a respeito do motivo de ser aquele o poro escolhido.
Grite, corte-se, mude o nickname do MSN, afete indiferença. No fim, é o que nos resta para construir a ilusão de que podemos, nem que por um átimo, estar de fato de mãos dadas com alguém, em grande celebração da plena comunhão de dois vazios.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Sobre apego e desespero

Não seja estúpido. Não confie em mim, pois não serei capaz de modificar coisa alguma. Não serei eu o que revolucionará qualquer coisa ou inventará uma sociedade alternativa.
Não confie em si também e nem na humanidade.
Não seja estúpido.
Seus credores o acompanham e você, cada vez mais arrochado, não se dará conta de que cada vez trabalha mais e que está cada vez mais espremido entre as engrenagens que fazem a sociedade andar. É difícil sair da casa de sua mãe e falta o dinheiro e a perspectiva de crescer em uma país que sofre de severa gastroenterocolite social. Produz-se cada vez mais comida e, assim, é natural que ela barateie. Ainda há a inanição, entretanto. Laptops cada vez mais baratos e MP4: trabalho e lazer cada vez mais portáteis, para que se possa aproveitar os congestionamentos de 4h que caracterizam dias de chuva dentro dos coletivos da cidade. Isso mesmo: tiram-nos cada vez mais sangue.
E temos sonhos aos quais nos agarramos em total desespero frente ao presente, em face dos últimos acontecimentos.
Para isso, vende-se até mesmo o Peugeot.
Tanto esforço, tanta luta.
Cavar com as mãos o solo argiloso do mangue é contraproducente, pois a lama volta a se depositar, não interessa quantas vezes se sulque a terra.
Contraproducente e desesperado.
Sonhos são capazes de turvar a realidade e de criar necessidades de busca incessante por algo que não é sequer tátil, lógico ou lucrativo.
Por um raio de esperança, atira-se uma vida ao lixo e desdenha-se o presente que é sofrido mas está em progressão.
Nada mais triste do que a esperaça falsa da busca da salvação da vida em uma empreitada já perdida.
No mangue barrento e sujo, o máximo que se acha são caranguejos, que podem ser vendidos ao longo das estradas. 10 por 2 reais.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

A mais-valia do nada

Belisque-se e sinta a dor que prova que você está vivo e respira.
Corte-se, veja o sangue correr. Lamba-o, sinta o seu sabor todo protéico, gosto da vida.
Sim, você está vivo e respira.
E nada além disso: alguns aglomerados de átomos.
A vida não é injusta, mas precária. Falam da vida como se ela fosse cheia de armadilhas e estratagemas: as pessoas só têm derrames para aprender que são mortais, só tem câncer para que aprendam que não devem fumar.
Buscar um objetivo transcendente na vida é a grande mais-valia de um planeta que só é possui nome porque possui temperatura adequada e água, condições indispensáveis à formação de coacervados.
E a vida humana tem o valor de qualquer vida, com a diferença que os humanos insistem em buscar aconchego no colo dos santos e de achar que sua presença neste mundo deve-se a algo além da pura coincidência, afinidade de moléculas e descargas elétricas.
Buscar ordem nisso não é mais do que exigir algo que não se possui. Não há destino, não há proposta. Um dia, fomos apenas carbono e a ele acabamos voltando sempre, sempre.
Sem dúvidas.
Viver é muito perigoso, mas não há nada nem ninguém que se importe com isso além daqueles que correm o perigo da mais-valia que é a vida. Não se engane: a não ser pelos choques e explosões de corpos celestes, o céu é todo ermo e silencioso. Deserto.